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Lembro-me, como se fosse ontem, das discussões entre os primos paulistas e os primos cariocas sobre qual Estado detinha a melhor música do momento.

A discussão rolava nos anos 80, década da explosão do rock nacional. Embora muito criança e sem qualquer bagagem cultural para tomar partido, costumava escolher lugares estratégicos para me sentar e não perder nenhum lance das celeumas que costumavam varar as madrugadas.

Na época a Blitz havia lançado seu disco Radioatividade e os primos cariocas acusavam a nós, os paulistas, de bairrismo. Grande injustiça; artistas cariocas como Barão Vermelho, Lobão, Léo Jaime e os Miquinhos Amestrados já haviam caído nas graças do exigente público de São Paulo.

O que a galera de Sampa alegava era que, simplesmente, o Brasil vivia em um momento delicado demais para se sair por aí cantando “tá tudo muito bom, tá tudo muito bem...”, de Você Não Soube Me Amar.
A cena roqueira de São Paulo sofria a influência direta do movimento punk local, que explodira na mesma época. Além de Ratos de Porão, Cólera e Inocentes, a ira e a insatisfação contaminavam do Ira!, Mercenárias e Ultraje a Rigor. Preferíamos as angústia de Fellini, Azul 29, Zero e Titãs.
Nas casas em que as primeiras bandas de rock tocaram – lembro-me só do Rose Bom Bom – o clima era de raiva contra a ditadura militar, a repressão policial, a frustração pela derrota das Diretas Já, o modelo de se governar o Brasil, o temor de uma guerra nuclear, o fim do estado de bem-estar inaugurado por Margareth Thatcher e o silêncio e alienação da grande mídia.

Nessa época era muito comum a notícia da prisão de um dos nossos entes queridos, tradição familiar sacramentada nos anos 90 por essa que vos escreve.

A banda de garotos sarados e roupas coloridas, cantando “você não soube me amar” não combinava com a raiva e o desespero que a nova juventude urbana – que negava a luta armada e os caminhos sugeridos pela esquerda-, influenciada pela literatura beat (que também pautou minha juventude), poesia de Paulo Leminski, pelas narrativas de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca (cite–se Buffo & Spallanzani, ironicamente, filme dirigido por um dos primos cariocas), pelos filmes de Scorsese e Coppola, pelo pessimismo de Blade Runner, The Clash, The Cure e Smiths e pelo teatro de Asdrúbal Trouxe o Saxofone e Antunes Filho (mestre), propunha.

Pensando bem, acho que tínhamos (e me refiro à juventude paulista) a mais pura e gelatinosa inveja. Não conseguíamos desarmar os ânimos, relaxar e, apenas, pedir batatas fritas. A juventude paulista era uma massa tensa, vestindo coturnos e jaquetas compradas na Galeria do Rock. A heroína e a cocaína já começavam a derrubar alguns, que desabaram de vez nos anos 90.

O que a Blitz, por exemplo, sugeria era: entre no mar, olhe as mulheres ao redor e viva a vida, dê valor ao blábláblá, pois todo esse temor vai acabar. Não entre em pânico. Você não está só. E, acima de tudo, somos brasileiros.

Ainda que tardiamente, minha conclusão ao André: “Ok, você venceu.”
1 Response
  1. Ze Hillhouse Says:

    Oi meu anjo! Sei que nao e tao pertinente assim para a discussao entre vertentes do rock paulista e carioca e os motivadores de cada um, mas me senti no dever de mencionar a cena rock gaucha que sempre foi muito forte, nao so nos anos 80. Bandas como TNT, Os Cascavelletes, e Jupiter Maca solo mais tarde, sao reverenciadas ate hoje. Se ao menos pra constar uma alternativa cru! Um amplexo.